Vipassana e idiotices científicas

Recentemente li no facebook um comentário de uma colega sobre um artigo que ela tinha apreciado bastante. De acordo com esse link, um senhor chamado vipassana afirmou:

“”Segundo os orientais, existem 3 maneiras de uma pessoa se relacionar com o conhecimento:
1 – aquele que o “Guru” diz e que eu por devoção acredito – nos nossos tempos pode dizer-se que o guru é a ciência, os estudos estatísticos e científicos;..
2 – aquele que toda a gente parece acreditar e por isso eu acredito.

3 – aquele que experimento e serve-me.

Um exemplo: um amigo diz “há um restaurante muito bom”.

No 1º caso eu acredito nele porque o tenho como uma referência para os meus gostos. Começo a divulgar sem experimentar.

No 2º caso eu vou ao restaurante, vejo a ementa, parece-me bem e depois espreito lá para dentro e vejo toda a gente muito satisfeita e penso ” ah, este restaurante deve ser mesmo bom”, mas não experimento.

No 3º caso eu vou ao restaurante e sirvo-me.

Nos primeiros dois casos é só a mente a funcionar e a decidir – é um relacionamento muito intelectual. No último já é vivencial. Para os orientais o que interessa é o vivencial, o prático e que funciona.

Antigamente na Índia havia muitos “Gurus” que discursavam e logo a pergunta surgia “isso é experiência tua ou só blá, blá, blá?””

Na nossa sociedade o peso da ciência é enorme e muito credível por mérito próprio mas isso não deve fazer com que só acreditemos e não filtremos para nós o que interessa. E o conhecimento prático torna-se agora mais importante.”

O meu parecer sobre tais afirmações? Pessoalmente acho a vida curta demais para se dar credibilidade à ausência de credibilidade. E que na nossa área existam tantas pessoas a gostar deste tipo de discursos é assustador.

Vamos então por pontos…

A ciência enquanto Guru

O leitor que não se ofenda comigo pela simplicidade do artigo mas para compararmos estes dois termos nada como a wikipédia. É simples e ensina perfeitamente bem todos aqueles que não fazem ideia do que é a ciência ou significa ser Guru.

De acordo com a wikipédia, Guru “é um professor no hinduísmobudismo, e sikhismo, que possui um profundo entendimento da alguma linha filosófica, o guru também é visto na religião indiana como um guia sagrado à auto-realização.

“Guru” também se refere em sânscrito ao Brihaspati, uma figura hindu análoga ao deus romano Júpiter. Na astrologia VédicaGuru ou Brihaspati é alguém que detém influência no ensinamento do devoto. De fato, na maioria das línguas da Índia tais como o Hindi, o dia da semana, terça-feira é chamada de Brihaspativaar ou Guruvaar (vaar significa “dia da semana”).

Na Índia contemporânea e na Indonésia, o termo “guru” é empregado para indicar um “professor”. No ocidente, o significado original de guru tem sido usado para indicar alguém que tenha seguidores, embora não necessariamente em um estabelecimento de ensino de filosofia ou religião. De forma metafórica, guru é empregado para descrever uma pessoa que tem autoridade por causa do seu conhecimento ou perícia em algum campo. A importância de achar um verdadeiro guru é descrita nas escrituras e ensinamentos religiosos como algo vital para conseguir atingir o seu objetivo.“

Ciência por seu lado “Em sentido amplo, ciência (do latim scientia, traduzido por “conhecimento”) refere-se a qualquer conhecimento ou prática sistemáticos. Em sentido estrito, ciência refere-se ao sistema de adquirir conhecimento baseado no método científico bem como ao corpo organizado de conhecimento conseguido através de tais pesquisas

A ciência é uma forma de pensar e adquirir conhecimento. Não é uma pessoa que se senta com as pernas cruzadas diz meia dúzia de disparates e depois espera pelos aplausos dos seus seguidores… vipassana é um Guru. A ciência, de Guru não tem nada.

As pessoas acreditam na ciência por devoção

Não há omeprazol que consiga acalmar as úlceras que este tipo de discurso me provoca.

As pessoas não acreditam na ciência. As pessoas levantam questões, experimentam, tiram conclusões, discutem essas conclusões, experimentam novamente e assim sucessivamente até se poder chegar a uma conclusão sobre determinado assunto.

Isto não tem nada a ver com acreditar por devoção. As pessoas não acreditam em Einstein ou em Newton ou no Uri Geller.

Einstein e Newton criaram teorias e provou-se na prática que estavam corretas. Tem valor porque mostraram objetivamente, NA PRÁTICA, que a teoria deles estava correta. Uri Geller é uma fraude porque clama ter determinadas capacidades que não possui realmente. Isto não tem a ver com devoção. Tem a ver com aceitar determinadas afirmações porque são sustentadas em factos e argumentos sólidos.

O exemplo ridículo do restaurante muito bom

De acordo com vipassana e seguidores o Guru ciência divulga sem experimentar (ou seja inventa à toa) e os seguidores seguem por devoção sem questionar o que foi dito. Eu adorava saber qual foi a teoria científica estabelecida mundialmente desta forma. Eu e toda a comunidade científica.

Mas no mundo real não é assim que as coisas funcionam. Para se usar uma escala de muito bom é porque existem referências como “muito mau” ou “mais ou menos”. Ou seja, existiriam outros restaurantes como referência.

Para facilitar consideremos somente o muito bom a qualidade da comida (vamos deixar o atendimento de lado e outros aspetos essenciais à qualidade de um restaurante). Logo era possível delinear uma hipótese de investigação: “è a comida do restaurante X muito boa?”.

Juntavam-se várias pessoas que nunca tinham provado a comida do restaurante em causa e dos outros restaurantes usados como referência. Depois dava-se a provar a comida a essas pessoas sem elas saberem o que estavam a provar e pedia-se uma avaliação do sabor.

No final comparavam-se os resultados e podia-se ter dados seguros acerca da opinião de uma franja da população acerca da qualidade da comida do restaurante.

Ou seja, eu não acredito por devoção naquilo que a ciência me diz. Eu aceito as suas conclusões baseadas em dados fidedignos. EU TENHO PROVAS. É um mundo completamente diferente. É ciência.

O mundo dos gurus que estabelecem verdades não comprovadas e esperam ser seguidos não é o mundo da ciência mas sim da religião. O mundo do budismo, do sikhismo e de qualquer outro movimento da esfera religiosa. É lamentável que as pessoas continuem a demonstrar uma ignorância assustadora quanto a este facto.

O intelectual, o vivencial, o prático… e o…

Considerar o prático (a experiência) como ausente do método científico é um erro que só demonstra as falhas do nosso sistema de ensino no que concerne às ciências.

E é preciso cuidado quando contrapomos o nosso conhecimento prático “contra”(?) o conhecimento prático do método científico. É que o meu conhecimento prático é só meu e está sujeito à forma como o quero entender.

O conhecimento prático obtido da ciência vem de uma amostra muito maior e não tem tantos bias na sua análise. É um dado muito mais seguro.

Este ponto é importante. É por causa desta confusão de termos e da ignorância científica que a homeopatia consegue subsistir há mais de 200 anos sem qualquer tipo de prova, ou que existem supostos “canais energéticos” a correr o corpo.

É uma questão falsa e enganadora. É o problema referido num dos meus últimos artigos conhecido como efeito vividness onde as nossas escolhas são feitas mais com base em testemunhos pessoais (eu experimentei e comprovei, fulano tal experimentou e comprovou) do que em estudos estatístico e dados credíveis (milhares de pessoas testada mostraram que é efeito placebo, por exemplo…).

Conclusão sobre as ideias de Vipassana

Não é um sintoma de saúde quando não se sabem distinguir coisas simples como Guru e ciência ou quando nem sequer se tem uma noção aproximada de como se trabalha usando o método científico.

E é grave quando pessoas sem este tipo de formação se encontram em áreas de saúde a dar conselhos a doentes em situações complicadas. E não é a seguir Gurus como Vipassana, que faz afirmações completamente ridículas sendo seguido por devoção dos seus seguidores, que se vai melhorar os cuidados clínicos que prestamos.

Já agora permitam-me citar o meu Guru favorito, Eu Próprio, quando afirmou: para mim existem dois tipos de pessoas.
1 – aquelas que gostam de pensar por si mesmas, colocam em causa as coisas e aprendem
2 – aquelas que gostam de acreditar em coisas porque as faz sentir bem aceitando todo o tipo de gurus sem realmente analisar a credibilidade daquilo que lhes é dito.