Recentemente virámos democratas. Agora os nossos representantes (alguns com mais tato político pelo menos) perguntam-nos o que achamos de determinada lei ou de determinada situação. Qual a opinião da maioria? O que deve um representante representar? Ou neste caso especifico, a venda de fitoterapia deve ser feita por quem prescreve?

Com a atual lei vem vários inconvenientes para uma forma não regulamentada de fazer clinica. Falo da venda de fitoterapia por parte de quem prescreve. Primeiro surgiu um post do facebook a referir uma série de vantagens e depois de algumas reações negativas surgiu uma sondagem.

Vamos rever os argumentos e discuti-los.

Argumentos a favor da venda de fitoterapia

1 – “…a lei é uma imposição do lobby médico/Farmaceutico, mas que acentua a diferença entre as grandes e as pequenas empresas do nosso sector”

2 – o segundo argumento baseia-se numa série de profissões de saúde que aplicam os tratamentos que prescrevem. São dados alguns exemplos: nutricionistas prescrevem suplementos que são eles que prescrevem; podologistas prescrevem calçado; médicos executam cirurgias que prescrevem; psicólogos prescrevem tratamentos que aplicam; dentistas prescrevem tratamentos que praticam e produtos que comercializam (pivots).

Como falham estes argumentos?

O primeiro argumento tem duas partes que devem ser separadas. A primeira é a velha teoria da conspiração que não nos serve de muito.

Em primeiro lugar é o lobbie farmacêutico que vende a homeopatia portanto para eles é igual que esta se venda numa farmácia ou num gabinete. O dinheiro vai lá sempre parar. Eu sei que nós pensamos que estamos em guerra com o lobbie farmacêutico mas na realidade os homeopatas enchem-lhes os bolsos. Acham mesmo que o lobbie farmacêutico ia prescindir de um negócio que representa 5% da venda mundial de medicamentos?

Se dependesse do lobbie médico/farmacêutico os médicos continuavam a ter férias pagas no Brasil à conta da Bayer e amigas. Dificilmente existiria este tipo de controlo. Esta separação e o controlo a que os médicos estão obrigados hoje em dia (receitas eletrónicas, por exemplo) é exatamente para evitar essa corrupção. Usar um controlo para combater corrupção na prescrição de medicamentos como uma teoria da conspiração por parte do lobbie prejudicado para que nós possamos fazer a mesma coisa é um tiro no pé que nos descredibiliza.

Depois temos a preocupação com os colegas mais novos. Na realidade qualquer pessoa que comercialize produtos na clinica fica prejudicada seja uma grande empresa ou não. Abrir um novo espaço significa gastar dinheiro com mais ordenados, com mais despesas de aluguer, água, luz, etc… Portanto ninguêm fica beneficiado. Mas a lógica da lei é exatamente essa: garantir que não beneficiamos com o que prescrevemos. É forma comprovada para acabar com a corrupção e compadrio que leva dinheiro aos pacientes e não lhes traz muitos benefícios.

Depois temos o segundo argumento e que foi corretamente invalidado por alguns colegas que participaram na discussão. Há várias confusões e misturas em todos os exemplos dados.

Por exemplo, é verdade que os dentistas vendem pivots mas também é verdade que eles não podem vender medicamentos nos seus próprios consultórios. Passam uma receita e o paciente avia-se numa farmácia. Portanto este exemplo não pode ser usado.

Os psicólogos aplicam os tratamentos que prescrevem ou os cirurgiões executam as cirurgias que prescreve, Sem dúvida. Da mesma forma que um osteopata aplica os diferentes tratamentos que definiu. Ou um acupuntor. Isso são coisas diferentes e nada tem a ver com a venda de fitoterápicos.

Depois temos o exemplo do nutricionista que prescreve e vende suplementos. Sem dúvida. No entanto aqui temos de fazer uma diferença entre suplementos e fitoterapia porque se queremos que seja igual para nós então temos de tratar a fitoterapia como suplementos (eu sei que existem aqui uma série de confusões). Mas na prática nós queremos ser donos e senhores dessa fitoterapia. Nós não desejamos que seja um nutricionista a prescreve-los. E se desejamos esse privilégio, se desejamos tentar elevar a fitoterapia a esse patamar então não podemos prescreve-la. Tem de ser tratada como são os medicamentos.

O desejo da maioria na venda de fitoterapia

Pede-se a um representante que represente a maioria ou que faça o mais correto pela maioria?

É bom quando os interesses de alguns representantes são defendidos pelo desejo da maioria que se desenvolveu num mercado criado por esses mesmos representantes. É um ciclo completo.

Os representantes vem o seu desejo pessoal cumprido e a maioria fica com a doce ilusão de participar duma classe com pluralismo democrático.

Mas como fica a imagem da classe profissional? Como ficamos representados face a outras profissões? Como nos podemos proteger das críticas que nos são feitas?

Conclusão sobre venda de fitoterapia por quem prescreve

Duas semanas após o bastonário da ordem dos médicos ter vindo à televisão acusar estes profissionais de quererem o melhor de dois mundos e de não terem uma posição séria porque desejam os benefícios dos profissionais de saúde mas rejeitam os deveres aqui vem um claro exemplo de como ele tinha razão.

E que ninguêm se atreva a dizer publicamente que o Bastonário tinha razão não vá ser rotulado por falsos moralistas como traidor e judas.

Ou que se escreva sobre este problema de forma transparente porque depois de se viver a ilusão do pluralismo democrático ninguêm deseja discussões com transparência pública. O maior inconveniente de todos é que se embarcamos nestas negociatas e perdemos o rumo daquilo que se exije de nós como profissionais de saúde começamos a viciar todo o futuro da classe.

Eu compreendo que existam muitos profissionais com receio da nova lei porque parte do seu rendimento depende da venda de fitoterapia mas há guerras de interesses que não servem o interesse maior.